Há quem diga que os jogos esportivos, ano após ano, são meras atualizações e adições à versão anterior, mas quem joga sabe muito bem que não é assim que as coisas funcionam. De forma a escaparem da maldição dos games anuais e, também, do fato de que os esportes permanecem sempre iguais, melhorias sob o capô e nos bastidores do certame são realizadas e divulgadas com grande pompa e circunstância. Mas o que acontece quando um título parece ter chegado ao limite do que é possível fazer com hardwares e ferramentas atuais?
Essa é a sensação que se tem ao jogar F1 2020, um game que continua a tradição de excelência que a Codemasters vem demonstrando há mais de 10 anos. Apesar de alguns tropeços no início dessa geração, a empresa se reergueu e marcou seu nome não apenas entre os simuladores da categoria mais legal do automobilismo, mas também como uma produtora celebrada no mundo dos jogos de corrida.
A nova versão chega em clima de fim de geração, já que um novo salto de hardware está prestes a acontecer, mas mostra ainda ter lenha para queimar. O grande destaque está no conteúdo inédito, que vai desde um pacote de DLCs celebrando veículos clássicos da carreira do heptacampeão Michael Schumacher até um novo modo que resolve uma situação em que os puristas da Fórmula 1 tinham que lidar há mais de uma década: quem excluir da temporada para que o avatar do próprio jogador possa correr pelas pistas?
Um caminho perfeitamente possível, principalmente diante das circunstâncias atuais, era focar na jogatina online, aproveitando da fama e da pandemia que transformou pilotos de corrida em competidores virtuais e streamers da Twitch. O foco online e nos eSports permanece, mais forte do que nunca e com eventos sazonais, mas felizmente para muitos, a Codemasters não se esqueceu de sua tradição single player, adicionando novos elementos à campanha principal do título.
O modo My Team (em português traduzido para Carreira de Equipe) é, de longe, a maior adição a F1 2020, adicionando elementos de gerenciamento à tradicional precisão exigida nas pistas e aumentando a pressão sobre o jogador, que agora deve lidar com todos os aspectos de sua equipe, desde estratégias de marketing e contratações até o desenvolvimento do veículo. É, também, a novidade que exige mais polimento, enquanto todo o restante permanece com a excelência já vista nos últimos anos.
Na nova modalidade, o jogador assume o posto de primeiro piloto de uma equipe da qual também é o dono, uma mistura de situações que não se viu nas últimas décadas da Fórmula 1 e um aspecto enaltecido pelos repórteres virtuais do game. A adição funciona, de forma básica, como uma evolução natural de outros elementos que já víamos nos games da Codemasters, pois lidar com acertos de carro, rumos de desenvolvimento e imprensa já era um aspecto existente nos games anteriores.
Agora, entretanto, essa experiência assume ares que puxam um bocado para os lados dos simuladores, ainda que todo o funcionamento do sistema seja simplificado, afinal de contas, o foco permanece sendo nas pistas. Fora delas, entretanto, o jogador também poderá lidar com a evolução do time e do parceiro de escuderia, além de desenvolver instalações, realizar testes e cuidar de campanhas de marketing.
Tais atividades resultam em pontos que podem ser usados no desenvolvimento do carro, dinheiro para compra de novos upgrades e melhorias para engenheiros e pilotos ou, no aspecto ao qual o título afirma dar mais importância, fama, que resulta no interesse de novos patrocinadores e permite novas contratações. Aos poucos, a nova escuderia vai se misturando com as existentes no mundo real, possibilitando a contratação de pilotos da Fórmula 1 de verdade, bem como a formação de rivalidades e a subida do próprio jogador ao estrelato.
A experiência nesse formato, porém, não é exatamente das melhores e mostra algumas arestas que a Codemasters precisa corrigir nos próximos lançamentos, caso o modo My Team permaneça como parte do pacote nos próximos anos. A interface não é das melhores e a profusão de informações na tela, muitas vezes, faz com que o jogador perca o foco e tenha a impressão de estar diante de planilhas orçamentárias — algo que efetivamente está acontecendo, mas poderia estar sendo apresentado de maneira mais lúdica.
Aos poucos, também, o usuário notará que o que realmente importa em F1 2020 é a experiência nas pistas. Trabalhar no desenvolvimento do carro segue importante, principalmente, para adequar a máquina ao próprio estilo de pilotagem, mas, rapidamente, percebemos que o restante das características do modo representa pouco diante do resultado nas corridas, que efetivamente é utilizado para a obtenção de bônus financeiros, novos contratos e o interesse de pilotos a serem contratados.
O modo ainda adiciona à mesa fatores normalmente comentados nos bastidores da Fórmula 1, mas que geram influências diretas nas pistas, como a escolha de fornecedor de motores e relações de patrocínio que elevam equipes ou as jogam no buraco. Novamente, porém, é a pilotagem que vai definir absolutamente todos os desígnios da carreira, em uma visão utópica da Fórmula 1, que reduz a complexidade do novo formato e acaba quebrando a fantasia, mas a torna mais justa, afinal de contas, estamos falando de um jogo. Pelo menos nos circuitos virtuais, ainda é o melhor na direção que possui a maior chance de vencer.
Entre um companheiro de equipe normalmente inexpressivo e que parece ter pouca presença nas pistas e poucas opções de customização para carros, pilotos e emblemas, ainda que seja possível alterar cores livremente, o modo My Team acaba soando como uma adição de luxo, e não necessariamente como o novo substituto à campanha principal, da forma como a Codemasters gostaria.
Vale a pena citar, ainda, que como dono da equipe, o avatar controlado pelo jogador não pode ser contratado por outras escuderias, minando um pouco do aspecto mais legal da campanha central dos games anteriores, quando a salada começava a acontecer gerando uniões entre pilotos e equipes com poucas chances de acontecerem na realidade. Felizmente, a carreira de pilotos permanece em F1 2020, e ainda que tenha um caráter secundário, aparece na íntegra e com todos os elementos que passamos a adorar no último ano.
Tradição
No que realmente importa, a experiência com o novo game da Codemasters permanece excelente. Como já falamos nas análises dos games anteriores, o que temos aqui é um título de corrida que, rapidamente, encontrou bases sólidas e vem se tornando apenas mais completo e bonito a cada ano, ainda que, para quem observa de fora, ele pareça ser sempre o mesmo.
Mudanças de interface e de funcionamento de sistemas como o ERS, por exemplo, marcam as mudanças de regras da modalidade, assim como as novas pinturas de carros e atualizações nos elencos de pilotos. A Fórmula 2 também retorna, mas aqui, sem o palco do pequeno enredo existente em F1 2019, com os veículos e a temporada da competição aparecendo ao lado das escolhas de veículos clássicos da categoria, com uma lista que cresce a cada novo lançamento.
Perdeu força, também, o aspecto lendário das máquinas clássicas, já que não temos mais um modo como o visto no último ano. Talvez pela troca da rivalidade entre Senna e Prost por um conteúdo focado em Michael Schumacher, a Codemasters tenha preferido a modéstia, apenas adicionando os carros do heptacampeão e itens de customização baseados nele em vez de criar, efetivamente, toda uma seção dedicada a suas conquistas e vitórias.
As customizações de dificuldade, ajudas e desafio também tornam F1 2020 o game mais acessível da história para os novatos, que podem embarcar no circo da Fórmula 1 de maneira rápida e direta. Na medida em que melhoram suas habilidades, podem ativar ou desativar elementos de forma independente, bem como realizar ajustes finos à habilidade dos rivais e realismo para melhor adaptar o game à própria experiência, e não o contrário, em uma lição que os vídeo games, em geral, parecem estar começando a aprender apenas agora.
No restante, o que temos em F1 2020 é o mesmo game que já havia demonstrado sua superioridade nos últimos anos e que parece ter chegado a um ápice muito rapidamente. Talvez pelas limitações da atual geração de plataformas ou por já estar preparando os motores para a próxima, a Codemasters parece manter uma postura conservadora em relação ao novo título.
Entretanto, para os não iniciados, como sempre, fica aquela sensação de que temos uma mera atualização do game anterior, e não uma proposta nova efetiva. Eles não estariam totalmente errados, mas também, não completamente certos, já que, como dito, o esporte, em sua base, não muda, e existem questões envolvidas no lançamento de um título anual dessa magnitude.
As adições, apesar de consistentes, ou exigem melhorias para se encaixarem bem no conjunto ou não são de todo interessantes assim, enquanto a experiência central da pilotagem permanece ótima como sempre. O foco em eSports ajudou a Codemasters a alcançar um estrelado ainda maior do que ela já vinha tendo, e F1 2020 deixa claro seu desejo de capitalizar em cima disso, focando nas atualizações de conteúdo ao longo da temporada, nas competições sazonais e, logicamente, nos grandes campeonatos.
Temos, novamente, o melhor e mais completo jogo da Fórmula 1 já lançado, mas também um título que pode ser considerado pouco inovador em relação ao anterior — uma faca de dois gumes, que demonstra a alta barra de qualidade obtida pela Codemasters muito cedo e, também, a dificuldade de encontrar novas receitas que incluam o ótimo arroz e feijão de todo dia. É o tipo de pacote que justificará o hype dos fãs e pode trazer novas pessoas para a modalidade, ainda que, na comparação com o ano anterior, pareça adicionar pouco valor ao pacote.
F1 2020 está disponível para PlayStation 4, Xbox One, Google Stadia e PC. No Canaltech, o jogo foi analisado no PS4 com cópia gentilmente cedida pela Deep Silver.
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